... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


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Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 7 - Julho 2009

Crônica - José Miranda Filho

A Fazenda Ideológica


O sítio evoluiu e se transformou na Fazenda Tijucussú. Prosperou bastante nas ultimas décadas. Do barro e do sebo, à indústria automotiva. O desenvolvimento extraordinário obrigou colonos fundadores e descendentes a esquecerem suas identidades e se alojarem no ostracismo involuntário induzido por novos gestores. Órgãos gerenciais foram criados, de modo a imprimir maior dinamismo à administração, com inclusão de propostas irrealizáveis e enrustidas de falsas promessas, com objetivo de continuidade por meio de administração apadrinhada, afim de perpetuar a memória de quem um dia se viu obrigado a abandonar sua pátria, fugindo da guerra e da fome, aportar nessas bandas além-mar, enriquecer-se e viver livremente. A argila e o sebo faziam parte do projeto inovador. A plantação da mandioca, inicialmente proposta pelos colonos, não vingou. Produziu apenas oito safras, motivada pela escassez de mão-de-obra astuciosa e especializada. A natureza negou-lhe o intento e a razão, soberanas justificativas. Entretanto, o gado vindo de regiões setoriais e reproduzido por meios artificiosos deu cria e o rebanho se expandiu, não tanto quanto desejado, nas parcas terras. Tentou-se criar vacas leiteiras em currais adredemente preparados para dar sustento aos colonos e seus familiares. Porém, por imposição de alguns colonos desaforados que viam no projeto futuros entraves aos seus interesses particulares, o plano não se consolidou. Restaram a argila, o sebo e o automóvel. A indústria automotiva impulsionada pela criatividade e qualidade de gestão estrangeira e coadjuvada pela mão-de-obra nativa, contratada sem qualquer vínculo administrativo com a fazenda, cresceu e se projetou pelo mundo afora. A matéria-prima da argila e do sebo, à revelia de alguns colonos, se transformou em produtos essenciais ao desenvolvimento social e populacional da estância. Entretanto, devido a voraz sagacidade de permanecer à frente da administração, o novo gestor contratou dezenas de colonos sem função específica, apenas para dar impulso à continuidade do projeto inicial. Do imenso pomar, sutilmente cuidado, colheram-se frutos saborosos. O laranjal floresceu, se expandiu e se transformou na maior riqueza extrativa da fazenda, seguida do limoeiro amplamente utilizado no preparo de “drinks”para incastos degustadores de suas qualidades. De aspecto verdejante, crosta fina e lustrosa, é o limão muito valioso e aceito entre milhares de brasileiros por suas qualidades extra medicinais. Contudo, há de ter certas precauções ao descascá-lo, mormente àqueles ávidos consumidores que ignoram seus efeitos devastadores.

Produzia-se de quase tudo na fazenda. Financiamento para o desenvolvimento, jamais deixou de ser solução. Chegava às pencas, e de qualquer lugar. Até que um dia... um dia sempre houve e certamente sempre haverá na vida de qualquer administrador a atrapalhar os planos. A argila e o sebo deixaram de ser produtos principais. Os recursos escassearam e a produção desabou. Dizem alguns que por falta de transparência nas compras, enquanto outros aduzem o apadrinhamento, e há até quem afirme ter sido pelo nepotismo imoral que seduz milhares de gestores públicos. O projeto sofreu revés irreparável. Demissões, principalmente de peões, tornaram-se necessárias, enquanto outras funções antes jamais ocupadas por falta de serventia, foram extintas, em detrimento da quantidade de cargos criados e altamente remuneradas a serem ocupadas por “faz de conta”. Esse fato se tornou notório e todos tiveram conhecimento. Mal grados os acontecimentos e algumas informações que são obstadas, a fazenda continuou produzindo seus frutos, cuja colheita se concentrou na laranja e no limão, únicas espécies que florescem abundantemente e não dependem da previsão do tempo.