... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


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Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 7 - Julho 2009

Conto - Afobório

Antes de Dormir.


Diana era contorcionista. Gostava de arrepiar a platéia com a sua espinha de serpente e seus olhos cor de mel. Em pouco tempo, era sucesso no circo. O público a amava e a sua doçura e o seu talento também conquistaram o dono da companhia. O homem a olhava no picadeiro e tinha certeza de que a queria. E por isso, passava as noites a espreitar o motorhome onde a artista dormia. Ele chegava até a porta sempre, e na hesitação escolhia a janela.

Embora a abertura retangular fosse bem pequena e um tanto alta do chão para o tamanho do olheiro, o mesmo apoiava os pés sobre a roda e alcançava a verticalidade exigida. Com uma mão mantinha o equilíbrio e com a outra se estimulava. A posição incômoda gerava uma câimbra horrível, daquelas que endurecia o tendão por toda a perna, e mesmo assim ele agüentava.

Normalmente chegava às 23h, quando Diana já estava nua, pronta para o banho. Ele via aqueles cabelos soltos e imaginava os mesmos cachos a lhe cutucar o peito enquanto a musa lhe cobria de amor. Era uma fascinação. Via que a linda e esguia garota bebia uma pequena dose. A garrafa sobre a mesa sugava a iluminação e a cereja fazia papel de ilha no universo daquele Martini seco a relaxar toda aquela delícia de mulher.

Ela andava de um lado para o outro, dançava e abria os braços e ouvia Soul. Era tão encantadora e açucarada, que enquanto requebrava o corpo, transformava a solidão em espetáculo divinal para seu apreciador. Embora fosse uma situação inusitada, ela não sentia medo, achava até romântico.

Sua única precaução era chavear a porta e deixar sua arma bem próxima e carregada, caso houvesse algum problema ela poderia se defender muito bem. Sentia um prazer enorme em saber que era espiada e não conseguia parar com aquele jogo. E nem mesmo o fato de desconhecer a identidade e a periculosidade do homem a castrava, por que a sensação de ser venerada enchia seu peito de satisfação tanto quanto os aplausos vindos da arquibancada embaixo da lona colorida de amarelo, verde, vermelho e azul.

A mulher bebia e fumava em pêlo e fazia questão de mostrar seu sexo. Quando sentava, inclinava o corpo para o lado e deixava tudo que pudesse em total posição de exposição. Ela passava sua unha comprida sobre sua cocha e fazia o cara na janela se arrepiar nuca abaixo.

Ela esperava pelo gemido do homem, e algum instante depois do grunhido acendia um cigarro; dava duas ou três fumadas, largava o enfumaçado no cinzeiro e ia para o banheiro. O clima proporcionado pela luz brincava com a imaginação do dono do circo, que via aquele ambiente aconchegante e decorado pela luxúria, tudo isso, graças à pequena janela que enquadrava totalmente a porta do banheiro aberta, e aquela silhueta perfeita de mulher a receber bons pingos sem nenhuma vergonha. A impressão do velhote era de que a água resfriava a pele da artista e incendiava a sua.

Quando Diana saía da ducha, vinha para frente do sofá ainda molhada, bebia mais um gole e depois espojava o corpo. Ali, ela permanecia um bom tempo, a derramar pequenos fios de álcool sobre seu corpo limpo e branco. Era uma provocação sem tamanho, e aos poucos começava a tocar o próprio sexo. Em segundos estava em pleno orgasmo, isso deixava o observador mais maluco ainda.

Depois, cansada da brincadeira, dormia ali mesmo, sem dar importância ao homem pendurado na janela. Ela sentia uma liberdade, um valor que a tocava no coração e no sexo, por isso gostava tanto da situação. Pela manhã, acordava disposta e feliz, e andava por entre os homens a encará-los nos olhos, não por que queria descobrir o seu espreitador, mas sim para agradecer e garantir aplausos dentro e fora do picadeiro, enquanto ela, só ela se auto-amava de verdade.


Afobório é o editor do e-blogue.